domingo, 12 de fevereiro de 2012

O farol

                                                                                       por Renan Colombini

  A calada da noite se alastrara, sua casa ficava em um canto beira-mar, afastada da cidadela onde morava, a luz do luar invadia gentilmente seu quarto através da janela entreaberta, o mar estava mais quieto do que se acreditava ser possível, mas bem ao longe, um lobo uivava ao luar, tão distante que a quebra do silêncio parecia surreal, quase como se fosse mero fruto da sua muito fértil imaginação.
Todos esses detalhes haviam sido percebidos, porém não assimilados, por um, ainda jovem, Caleb, que se encontrava num estado de paralisia emocional, deitado no quarto, inconscientemente murmurando minimamente mais alto do que acreditava, palavras confusas, sem foco e tampouco sentido. A separação o abalara naquela tarde, quando a mesma aconteceu, porém os fatos só haviam realmente se conectado agora, sua ficha caíra, seu pai fizera uma promessa que não poderia cumprir.
Mais cedo naquele dia, seu pai fora buscado por um homem em uniforme, ele estava esperando por isso, antes de partir, ele fitou o pequeno Caleb com um semblante sério que ele mostrava dificuldades para sustentar e disse “eu voltarei antes do seu aniversário”. Estas foram as últimas palavras que o pequeno Caleb ouvira seu pai dizer, então seu semblante sério desmanchou-se, transformando-se em um sorriso um pouco abalado e aliviado, o pai de Caleb beijou o rosto do filho e partiu.
O dia todo Caleb passou dentro de casa, lendo os livros que ocasionalmente seu pai lhe trazia, seus olhos se detiveram em uma pequena história sobre uma mulher que esperava seu amado em um farol, Caleb adorava esta história, pois ele também morava em um farol, ele sempre gostava de ir ao ponto mais alto do mesmo e observar o gélido mar sem fim.
Porém o que fizera Caleb se deter nesta história não fora o farol, nem a descrições do mar maravilhoso que um autor à longos anos falecido havia descrito, não, o que havia batido na sua percepção fora algo muito mais forte, foi um fato antes não notado que invadiu a consciência de Caleb de forma tão grosseira quanto uma visita indesejável, aquelas visitas que nós não queremos, mas uma vez que chegam, não podemos expulsá-las da nossa realidade.
Caleb percebeu que, como o amado da jovem em seu livro, seu pai mentira, ele não voltaria, e para piorar, ele amaldiçoara a data de seu aniversário, fazendo com que todo ano, falsas esperanças de vê-lo novamente começassem a emergir em seu peito, até que estivesse velho demais para acreditar que ele voltaria, o que o deixaria apenas com o fantasma de uma promessa não cumprida que o visitaria uma vez por ano.
O uivo distante do lobo ainda se fazia ouvir ao longe, a lua já estava bem alta no céu, e uma leve brisa começara a soprar em direção leste, agitando levemente o mar e levando o cheiro da água salgada para o seu quarto, era quase como um presente para animar Caleb, como se seu pai tentasse consolá-lo pela falsa promessa fazendo com que a natureza desse a Caleb lembranças dos melhores momentos que ambos viveram juntos.
O garoto entretera essas lembranças difusas por algum tempo, permitindo brotar um sorriso inocente, inocente como ele sempre fora até esta tarde. Caleb não era capaz de entender porque seu pai havia partido, porque ele havia mentido, que benefício existe em uma falsa esperança? Que benefício existe em acreditar em mentiras? O sorriso de Caleb fora substituído por raiva, mas sua raiva não era capaz de preencher o vazio de sua expressão e pensamentos.
Passos por de trás da porta anunciavam que sua mãe estava vindo lhe dar boa noite, e este fora o primeiro som capaz de tirar Caleb de seu transe de pensamentos, ora mórbidos, ora odiosos e ora apáticos, a brisa havia parado, à quanto tempo? Ele não sabia dizer.
Sua mãe entrou no quarto e o iluminou-o com a luz que trazia consigo, ela o flagrara em um momento que Caleb apreciaria a solidão mais que tudo, embora parte dele realmente desejasse companhia , esta parte havia sido soterrada pela inemoção.
_ O que foi? – perguntou sua mãe em um tom tão gentil e carinhoso que fizera Caleb querer chorar, mas sua barreira emocional conseguira segurar essa vontade, ele então se limitou a responder:
_Ele foi embora... e não vai voltar, não é verdade? É assim que acontece nas histórias, é assim que acontece em toda parte, porque ele mentiu, mãe? – sua voz saiu mais apática do que planejara, nem os resquícios de infantilidade na sua fala o fizeram-na soar menos distante, por assim dizer.
Sua mãe sentou ao seu lado, havia um sorriso estampado em seu rosto que praticamente dizia “como você é bobo meu filho”, porém não foram essas as palavras que ela disse:
_Filho, como se sentiria se seu pai voltasse em duas semanas e você ainda estivesse alimentando essas ideias? – sua mãe manteve o sorriso.
Caleb pela primeira vez na noite se sentira culpado, mas ainda negava-se deixar transparecer... apesar de não saber por quanto tempo poderia aguentar. Sua mãe prosseguiu:
_Querido, o outono e o inverno separam este dia do seu aniversário, seu pai é tem muito tempo para voltar... – Caleb a interrompeu.
_Pare! Eu não me importo com quanto tempo nos separa do meu aniversário, eu me importo com ele ter feito uma promessa que ele não pode garantir que vá se cumprir, eu me importo por ter acreditado em algo que pode não ser real, eu tenho medo, mãe – não conseguia mais conter o choro, sua voz já era quase um grito choroso – eu tenho medo de não vê-lo de novo, eu tenho medo que tudo que ele tenha me deixado sejam apenas lembranças e uma promessa vazia!
Fez-se silêncio, e nenhum ser vivo ao redor queria interrompe-lo, nem lobo, nem vento, nem nada, estavam todos absorvidos, tamanha era a dor que o jovem Caleb sentia. O sorriso de sua mãe sumiu pela primeira vez, ela não iria mentir, Caleb podia ver nos olhos dela:
_Caleb, seu pai é apenas um homem, um homem feito de carne e osso, mas de baixo da carne e do osso, ele tem alma também, e do fundo dessa alma, ele deseja voltar, e ele fará mais do que se julga possível para voltar, mas meu filho, eu te pergunto, como pode ele acreditar que ele voltará, se o próprio filho acha isso impossível, se você mesmo acredita ter sido enganado pelo homem que você sempre teve como melhor amigo? Você acha mesmo que ele te prometeria algo que ele não acreditasse ser capaz de cumprir?
Caleb soluçava levemente, chorava ainda, mas sua voz foi firme:
_E se ele não conseguir?
_Pare de se preocupar com o que não aconteceu Caleb, ele vai voltar, pois ele nunca saiu de perto de você – então ela tocou o coração do filho com a palma da mão – você o guardou aqui dentro, e ninguém pode tira-lo daqui, não com você o carregando noite e dia onde quer que vá, você fez o mesmo comigo.
Mais lágrimas percorreram o rosto do garoto, mas dessa vez, ele sorriu, sua mãe continuou:
_ Seja forte por ele, seja feliz por ele, tenha amor por ele e, acima de tudo, espere ele voltar, não se deixe levar pelo medo de perder o que será para sempre seu. O amor
Caleb ainda sorria, ele abraçou sua mãe, forte e carinhosamente, esta retribuiu o abraço, beijou-lhe o rosto e desejou boa noite para seu filho, este retribuiu , e foi dormir, havia acabado de falar com um anjo sempre gostava de lhe visitar antes de dormir, sua mãe havia morrido anos atrás. Porém ela sempre lhe dera motivos para sorrir, a partir daquele momento, ele contaria os dias para a volta de seu pai.

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